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40.º Congresso de Pneumologia

Exmo. Senhor Primeiro-Ministro; Exmo. Senhor Presidente da Assembleia da República;

c/c: Exmo. Senhor Ministro dos Assuntos Parlamentares; Exmo. Senhor Ministro da Saúde; Exma. Senhora Secretária de Estado da Promoção da Saúde; Exmo. Senhor Presidente da Comissão de Saúde, Exmos. Senhores Presidentes e membros da Direção dos Grupos Parlamentares

Escrevemos-lhe em nome das organizações da sociedade civil, de saúde pública, controlo do tabaco e associações de doentes de Portugal para expressar as nossas profundas preocupações pelo recuo da proposta original da Lei PL 59/XXIII/2023, de 11/05/2023 visando um pacote robusto de medidas de controlo de tabagismo alinhadas com a Convenção-Quadro de Controlo de Tabagismo (CQCT). Estas medidas são necessárias para acelerar a sua implementação em Portugal, que se encontra no patamar inferior da Escala de Controlo de tabagismo Tobacco Control Scale1.

Portugal é o país europeu que menos diminuiu o consumo de tabaco, em ambos os sexos2,3, apresentando as taxas de cessação tabágica mais baixas2

Lamentavelmente, e com custos sanitários e sociais gravosos, os Governos de Portugal têm sido lentos a compreender e ineficazes em implementar as medidas da Convenção da OMS, deixando a indústria interferir livremente4, apenas avançando as políticas públicas quando obrigados a tal pelas Diretivas Europeias.  Neste cenário complexo, não é de estranhar que o tabaco seja o fator de risco com maior carga de doença, morte e incapacidade em Portugal5 e que o cancro do pulmão, a doença mais específica do tabaco, continue a aumentar, sendo a única causa de morte que não diminui durante a pandemia recente COVID-196

Felicitamos o Governo de Portugal pelos seus esforços recentes para avançar legislação de acordo com a CQCT e gostaríamos de lembrar que, sendo Portugal uma parte das partes, as instituições portuguesas têm obrigação de tomar medidas para proteger o processo de elaboração e a implementação das políticas de controlo de tabaco dos interesses comerciais da indústria e seus aliados, promovendo uma efetiva proteção da saúde da população portuguesa.

No entanto, ainda antes da sua discussão parlamentar, já são anunciadas alterações a algumas medidas propostas pelo Governo, como é caso do recuo da restrição das vendas de tabaco nas bombas de gasolina, lojas de conveniência, e pequenos estabelecimentos comerciais autorizados a comercializar tabaco. Este facto demonstra que o Governo não cuidou o desenvolvimento de uma estratégia de comunicação e apoio adequada que defendesse as medidas de controlo de tabagismo com maior impacto na prevenção e controlo de tabaco. De facto, o Governo não preparou antecipadamente a arena social e política, nem envolveu a comunidade de saúde pública e peritos de controlo de tabagismo, nacionais e internacionais, e os diversos atores da sociedade civil, cuja articulação é condição necessária para o sucesso da negociação política da legislação de controlo de tabagismo, como enfatizado pela OMS.  Acresce que vários deputados do grupo parlamentar socialista, que deveriam estar alinhados com o Governo, já criticaram publicamente, algumas das medidas, nomeadamente a restrição das vendas de tabaco e a extensão da regulamentação do comportamento de fumar a alguns espaços exteriores. Argumentam que as medidas são “excessivamente proibicionistas”, que podem ser consideradas “abusivas e intrusivas”, que não respeitam “o princípio da proporcionalidade” e afirmam que tencionam alterar a Lei no Parlamento.

https://www.publico.pt/2023/05/18/politica/noticia/deputados-ps-preparamse-reduzir-restricoes-governo-quer-impor-tabaco-2050082;https://www.publico.pt/2023/05/18/politica/noticia/deputados-ps-preparamse-reduzir-restricoes-governo-quer-impor-tabaco-2050082;https://www.publico.pt/2023/05/26/sociedade/noticia/governo-mexe-lei-bombas-gasolina-vao-vender-tabaco-2051070

Notoriamente, os fundamentos usados nas críticas à proposta de Lei e disseminados na comunicação social não só não respeitam a evidência de saúde pública e o compromisso de Portugal com a implementação da CQCT, como estes argumentos se encontram devidamente identificados por investigadores e peritos da OMS,  ilustrando as estratégias da indústria do tabaco para alterar, atrasar e enfraquecer as medidas de controlo de tabaco, atuando nos bastidores através de terceiros e grupos frontais7,8,9, como foi patente em alterações legislativas anteriores4. Acresce que, após terem sido anunciadas pelo Governo de Portugal as medidas do pacote legislativo nos meios de comunicação social, escasseou o esclarecimento do público sobre a evidência de saúde pública do valor das medidas10.

 A bancada parlamentar socialista tem uma maioria parlamentar confortável. Como tal, a não aprovação da proposta de lei na sua formulação original será um claro indício da tibieza do Governo em favor da indústria do tabaco e dos interesses comerciais instalados, desvirtuando os objetivos da lei - alcançar uma geração sem tabaco em 2040 e promover a saúde da população portuguesa. Todas as crianças têm o direito de nascer e crescer livres dos perigos associados ao tabagismo. A exposição ao fumo do tabaco tem efeitos prejudiciais na saúde e no desenvolvimento das crianças, desde a conceção e vida pré-natal até à vida adulta, e os efeitos transmitem-se trans geracionalmente. As medidas da proposta inicial do Governo como a restrição abrangente dos pontos de venda do tabaco, incluindo as máquinas de venda automática, e o alargamento abrangente dos espaços livres de fumo para locais exteriores não só poderão reduzir o tabagismo entre a população em geral, como poderão beneficiar sobretudo as crianças, adolescentes e jovens, reduzindo a exposição ao fumo de tabaco e ao marketing da indústria, e desnormalizando o tabagismo11. A Convenção das Nações Unidas sobre os Direitos da Criança, ratificada por todos os Estados europeus e também explicitamente recordada no preâmbulo da CQCT, tem sido interpretada no sentido de que os Estados têm a obrigação legal de proteger as crianças contra os efeitos nocivos do tabaco. O mesmo se aplica à Carta Social Europeia do Conselho da Europa11.

As iniciativas da indústria do tabaco contra medidas legítimas de saúde pública são uma clara tentativa de intimidar os países mais vulneráveis a não implementarem políticas eficazes. A adulteração das medidas, quer a nível Governamental quer a nível parlamentar poderá vir a traduzir-se no incumprimento, por parte de Portugal, da aplicação do artigo 5.3 da Convenção-Quadro da Organização Mundial de Saúde (OMS) que, como já referido, o Governo de Portugal ratificou.

A esmagadora maioria dos portugueses apoia as políticas de controlo de tabaco, incluindo a proibição abrangente de fumar, como documentado pelos inquéritos da Comissão Europeia (Eurobarómetros) e outros estudos epidemiológicos12.

Enviamos também em anexo um documento contextualizando a evidência das medidas de controlo de tabagismo e a devida e exaustiva fundamentação da proposta de Lei.

Esta carta aberta e o documento em anexo foram também enviados para a Directorate-General for Health and Food Safety (DG SANTE), European Commission, Secretariado da CQCT da Organização Mundial da Saúde e outras organizações da comunidade de saúde pública nacional e internacional. Todos os recuos e alterações da proposta inicial serão do conhecimento e publicamente expostos à comunidade de saúde pública nacional e internacional e à Directorate-General for Health and Food Safety (DG SANTE), European Commission, que tem como missão monitorizar a implementação e o cumprimento das políticas de saúde EU.

Por todas estas razões rogamos ao Senhor Primeiro Ministro de Portugal e ao Governo de Portugal, que tome medidas decisivas para assegurar a implementação adequada do Artigo 5.3 da CQCT, e assegure que o Parlamento tome a sua decisão livre da influência do lobby do tabaco e seus aliados, não alterando e/ou prejudicando as medidas iniciais do pacote legislativo.

Concluímos reiterando que, de acordo com a OMS, o progresso do controlo do tabaco só é possível se se verificar uma ação concertada da sociedade civil, governos, e decisores políticos. O nosso dever comum é contribuir para proteger a saúde pública, o bem-estar e os interesses dos cidadãos de Portugal, promovendo uma forte regulamentação do tabaco. Estamos convictos que o Governo e o Parlamento de Portugal cumprirão as suas mais elevadas obrigações, em relação ao princípio constitucional da proteção da saúde da população portuguesa, em linha com as orientações da OMS e que uma resposta positiva e ação urgente marcarão uma nova era na política de saúde em Portugal.

 

Com os nossos mais respeitosos cumprimentos e consideração,

Os signatários

Sociedade Portuguesa de Pneumologia

Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia

ERS, INWAT-EU

COOPT

Grupo de Estudos do cancro do Pulmão

Portugal AVC- União de Sobreviventes, familiares e Amigos

Respira

Associação de Doentes Respiratórios Crónicos

Associação dos Médicos de Saúde Pública

GRESP, AMGF

INWAT-Europe

Referências:

1Tobacco Control Scale. The new ranking was presented the 2nd December 2022 at the 6th ICO-WHO Symposium on Tobacco Control in Barcelona by Luk Joossens of Smoke Free Partnership.

https://www.tobaccocontrolscale.org/

2Feliu A, Filippidis FT, Joossens L, et al. Impact of tobacco control policies on smoking prevalence and quit ratios in 27 European Union countries from 2006 to 2014. Tobacco Control 2019;28:101-109.

https://tobaccocontrol.bmj.com/content/28/1/101

3GBD 2019 Tobacco Collaborators. Spatial, temporal, and demographic patterns in prevalence of smoking tobacco use and attributable disease burden in 204 countries and territories, 1990–2019: a systematic analysis from the Global Burden of Disease Study 2019. Lancet. 2021;397(10292):2337–60.

4Ravara SB, Filho HC, Faria PL, Miranda N, Calheiros JM. Tobacco control policy-making in Portugal: vested interests or public health?. Tobacco Prevention & Cessation. 2015;1:3.

https://doi.org/10.18332/tpc/60168

5Portugal. Ministério da Saúde. Direção-Geral da Saúde. PROGRAMA NACIONAL PARA A PREVENÇÃO E CONTROLO DO TABAGISMO PORTUGAL . Lisboa: DGS, 2020.

6Portugal. Instituto Nacional de Estatística. Causas de morte em Portugal 2021.

https://www.ine.pt/xportal/xmain?xpid=INE&xpgid=ine_destaques&DESTAQUESdest_boui=594417880&DESTAQUESmodo=2

7World Health Organisation (WHO). Tobacco industry interference with tobacco control. Genebra: WHO, 2008.  https://www.who.int/publications/i/item/9789241597340

8Mandal S, Gilmore AB, Collin J, Weishaar H, Smith K, McKee M. Block, amend, delay: tobacco industry efforts to influence the European Union’s Tobacco Products Directive (2001/37/EC).  

9Ravara S, Calheiros, Corrêa P. O Grito da indústria do tabaco.

https://www.publico.pt/2023/05/25/opiniao/opiniao/grito-industria-tabaco-2050883

10Ravara S, Calheiros, Corrêa P. O lado amputado do debate da Lei do tabaco. https://expresso.pt/opiniao/2023-05-22-O-lado-amputado-do-debate-da-Lei-do-Tabaco-b7a277b6

11Been JV, Laverty AA, Tsampi A, Filippidis FT. European progress in working towards a tobacco-free generation. Eur J Pediatr 2021;180(12):3423-3431. doi: 10.1007/s00431-021-04116-w.

12Morais ATR. Políticas de Controlo do Tabaco: Atitudes da População Portuguesa. Dissertação para obtenção do Grau de Mestre em Medicina. Universidade da Beira Interior, 2022.

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