Comentários de:
Prof. Doutor Tiago Alfaro – Pneumologista, CHUC
Prof. Doutor João Carlos Winck - Professor Afiliado da FMUP
Prof. Doutor Filipe Froes - Pneumologista, CHLN
Prof. Doutora Natália Martins - Professora Afiliada da FMUP
Dr. João Cravo – Pneumologista, CHBV
Dr.ª Susana Moreira – Pneumologista, CHLN
Dr.ª Margarida Afonso – Pneumologista, CHUCB
Dr.ª Liliana Ribeiro – Pneumologista, CHTMA
1 de abril de 2020
Estudo: "Treatment of 5 critically ill patients with COVID-19 with convalescent plasma", Shen C et al, JAMA, March 27 2020
Comentário: Com base em estudos realizados em outras pandemias víricas, que demonstraram eficácia clínica da transfusão de plasma convalescente, 5 doentes com ARDS grave associada à COVID-19, sob ventilação mecânica e já medicados com antivíricos (mas que mantinham carga vírica elevada) e metilprednisolona, foram transfundidos com plasma com anticorpos específicos IgG SARS-CoV2 entre 10 e 22 dias após admissão hospitalar, com resolução da febre, melhoria do ratio PaO2/FiO2, melhoria imagiológica e negativação da carga vírica 12 dias após transfusão.
Dado as várias limitações do estudo, nomeadamente a pequena amostra, ausência de grupo controlo, tratamento concomitante com outros fármacos e período muito variável de tempo de internamento aquando da administração do plasma, é necessária validação destes dados preliminares em ensaios randomizados.
1 de abril de 2020
Estudo: “A Trial of Lopinavir-Ritonavir in Adults Hospitalized with Severe COVID-19” B. Cao et al, NEJM, March 20, 2020
Comentário: Este estudo publicado na prestigiada The New England Journal of Medicine, avalia 199 doentes com COVID-19. Neste estudo 99 doentes fizeram Lopinavir/Ritonavir (LPV/r) em monoterapia associada a terapêutica de suporte e 100 doentes só tratamento de suporte. O estudo não demonstrou diferenças com significado estatístico entre vários parâmetros, nomeadamente na mortalidade e tempo para a resolução clínica. Contudo alguns pormenores merecem ser destacados e avaliados com prudência.
O intervalo de tempo entre o início dos sintomas e o início da terapêutica foi em média 13 dias, a população estudada era bastante grave e os dados apontam para uma possível maior carga viral inicial dos doentes submetidos a LPV/r.
Atualmente, a recomendação para a terapêutica com LPV/r é iniciar precocemente nos doentes com formas inicias e menos graves de pneumonia e, sempre, em associação com hidroxicloroquina (norma 004/2020 da DGS).
De igual modo e sem significado estatístico, o estudo demonstrou várias tendências todas mais favoráveis nos doentes submetidos a LPV/r, tais como, menor mortalidade (19,2% versus 25,0%), menor duração de internamento em UCI e mais rápida resolução clínica. Citando o estudo: "These observations are hypothesis generating and require additional studies to determine whether lopinavir–ritonavir treatment given at a certain stage of illness can reduce some complications in Covid-19."
1 de abril de 2020
Estudo: “Imaging and clinical features of patients with 2019 novelcoronavirus SARS-CoV-2”, Xi Xu et. al, Eur J Nucl Med Mol Imaging, February 28, 2020
Comentário: Neste trabalho os autores relataram as características clínicas e de imagem de pacientes infetados com SARS-CoV-2 em Guangzhou, China. Dos 90 doentes infetados com SARS-CoV-2 incluídos no estudo, todos foram submetidos a TC sem contraste. Foram analisadas as características clínicas, bem como as características de distribuição, padrão, morfologia e manifestações associadas às lesões pulmonares. Além disso, 1-6 dias (média de 3,5 dias) depois, imagens de TC de tórax de acompanhamento foram analisadas para avaliar a evolução radiológica.
Os autores observaram que mais de metade dos pacientes apresentou lesões pulmonares multifocais bilaterais, com distribuição periférica, e 53 (59%) pacientes tinham mais de dois lobos envolvidos. De todos os pacientes incluídos, a pneumonia por COVID-19 apresentou-se como opacidade em vidro despolido em 65 (72%), consolidação em 12 (13%), "crazy paving pattern" em 11 (12%), espessamento interlobular em 33 (37%), espessamento da pleura adjacente em 50 (56%) e opacidades lineares combinadas em 55 (61%). O derrame pleural, derrame pericárdico e linfadenopatia foram achados incomuns. Além disso, a TC basal do tórax não mostrou anormalidades em 21 pacientes (23%), mas 3 apresentaram opacidades bilaterais em vidro despolido na segunda TC após 3-4 dias.
Os autores concluíram assim que múltiplas opacidades sob a forma de vidro despolido em múltiplos lóbulos bilaterais com distribuição periférica são características típicas da TC na pneumonia COVID-19.
3 de abril de 2020
Estudo: "Ten Weeks to Crush the Curve", Harvey V. Fineberg, The new England Journal of Medicine, April 1, 2020
Comentário: Este editorial do Prof. Harvey V. Fineberg, antigo reitor da Harvard School of Public Health e presidente da National Academy of Medicine, defende uma intervenção rápida, musculada e bem coordenada nos EUA, para que a situação seja controlada em poucos meses, dando possibilidade à economia para arrancar a tempo de evitar uma catástrofe maior de contornos sociais a uma escala nunca antes vista. O objetivo seria esmagar a curva, não apenas achatá-la. O plano de ação proposto é pensado para os EUA, mas as medidas poderão ser adotadas noutros países ou continentes.
As medidas médicas propostas não são muito diferentes do que já foi recomendado pela OMS, com exceção da indicação clara da importância do uso generalizado de máscaras cirúrgicas por toda a população. A 20 de março, a revista The Lancet Respiratory Medicine também publicou um comentário onde destacou que a ausência de prova sobre o benefício do uso generalizado de máscaras não é o mesmo que a presença de provas que demonstrem o seu malefício ou não benefício.
Também hoje a DGS publicou novas normas sobre a utilização de máscaras cirúrgicas, mais abrangentes em termos de profissões e funções.
Numa doença nova como a COVID-19, a evidência científica e as recomendações médicas mudam rapidamente, talvez como nunca antes, tentando dar resposta ao crescimento da pandemia.
3 de abril de 2020
Estudo: "The experience of high-flow nasal cannula in hospitalized patients with 2019 novel coronavirus-infected pneumonia in two hospitals of Chongqing, China", Wang K et. al, Ann Intensive Care, Mar 20, 2020
Comentário: Neste estudo avaliou-se retrospetivamente a abordagem terapêutica inicial de 27 doentes com falência respiratória aguda grave por pneumonia pelo novo coronavírus. Em 17 (63%) destes a oxigenioterapia de alto fluxo por cânula nasal (ONAF) foi a primeira linha de tratamento, em 9 (33%) a ventilação não invasiva (VNI) e em apenas 1 (4%) a ventilação mecânica invasiva (VMI). A ONAF foi usada com sucesso em todos os doentes com PaO2/FiO2 > 200 mmHg (6 doentes) mas houve falência terapêutica em 64% (7) dos 11 doentes com PaO2/FiO2 ≤ 200 mmHg, recorrendo à VNI como segunda linha de tratamento. Dos 16 doentes que realizaram VNI como primeira ou segunda linha, 3 acabaram por necessitar de VMI.
Várias limitações são apontadas pelos autores do estudo. Além da pequena amostra, trata-se de um estudo retrospetivo, e possíveis explicações para o uso de ONAF em primeira linha na maioria dos doentes são meramente especulativas, nomeadamente abordagem dos doentes durante o pico da doença por médicos pouco familiarizados com uso de VNI ou VMI. Reforçam a necessidade de se desenvolverem rapidamente novos estudos sobre o uso de ONAF na pneumonia pelo novo coronavírus.
O facto de ser um estudo retrospetivo empobrece o artigo, as explicações para as abordagens realizadas são limitadas.
4 de abril de 2020
Estudo: “Barrier enclosure during endotracheal intubation” Canelli et al, The new England Journal of Medicine
Comentário: A escassez de equipamento individual de proteção e o risco elevado de transmissão de SARS-CoV-2 durante procedimentos invasivos, têm levado a uma procura engenhosa de alternativas. Contudo, a sua efetividade nem sempre é comprovada. Nesta carta ao editor publicada no NEJM os autores apresentam a descrição de uma caixa de aerossóis (caixa transparente com duas aberturas para os braços), para uso sobre a cabeça do doente durante a entubação endotraqueal. Através da insuflação de um balão com tinta fluorescente na orofaringe de um manequim, procuraram simular a dispersão que ocorreria com a tosse durante a laringoscospia. O resultado foi uma redução significativa da área afetada por partículas de tinta quando avaliado com luz ultravioleta.
Apesar destes resultados é importante realçar que o método de simulação não foi validado em relação à projeção obtida com a tosse (direção, velocidade, turbulência ou tamanho de partículas), nem o método de deteção foi adequado a gotículas de menores de dimensões, habitualmente produzidas com a tosse. A dificuldade acrescida do uso da caixa na entubação é também relevante, requerendo treino prévio e experiência na técnica.
4 de abril de 2020
Estudo: “Coronavirus Disease 2019 in elderly patients: characteristics and prognostic factors based on 4-week follow-up” Wang et. al, Journal of Infection
Comentário: A população idosa tem reconhecidamente um alto risco de morbimortalidade por COVID-19. No período de 1 de janeiro a 6 de fevereiro, um hospital em Wuhan dedicado ao tratamento desta doença, registou 339 internados com idade superior a 60 anos. Mais de 70% eram doentes graves-críticos e a mortalidade foi de 19,2% (n=65) durante o follow-up de 4 semanas. Queixas de dispneia (HR 2,35, p=0,001), comorbilidades cardiovascular (HR 1,85, p=0,031) ou doença pulmonar obstrutiva crónica (DPOC) (HR 2,14, p=0,023) e o desenvolvimento de síndrome de dificuldade respiratória aguda (ARDS) (HR 29,33, p<0,001), foram preditores de mortalidade. Maior contagem total de linfócitos associou-se a melhor prognóstico (HR 0,097, p<0,001). A progressão foi mais rápida nos doentes fatais, com uma duração mediana de internamento de 5 vs 28 dias (p<0,001), apesar da duração de sintomas até admissão equivalente.
Os autores reforçam assim a elevada gravidade e mortalidade da COVID-19 na população idosa, a necessidade de maior monitorização e de uma abordagem terapêutica mais rápida neste grupo. A natureza retrospectiva e o facto de se tratar de um hospital alocado ao tratamento de doentes graves são potencias limitações à generalização dos resultados.
6 de abril de 2020
Estudo: "Evolving epidemiology and transmission dynamics of coronavirus disease 2019 outside Hubei province, China: a descriptive and modelling study" Zhang, J et al. Lancet Infect Dis
Comentário: Os autores analisaram 8579 casos confirmados em nove províncias chinesas afetadas pelo coronavírus, excluindo Hubei. Compararam a dinâmica da epidemia entre dois períodos, de 24/12/2019 a 27/01/2020 e 28/01/2020 a 17/02/2020. O tempo médio de incubação e o intervalo de série (tempo entre o início da doença num indivíduo e o início de doença nos indivíduos infetados pelo primeiro) foram calculados nos casos identificados por vigilância ativa.
A demora entre o início de sintomas e o diagnóstico ou internamento foi reduzido no segundo período, provavelmente devido à maior consciencialização da população. O tempo médio de incubação foi 5,2 dias e o intervalo de série foi 5,1 o que sugere que pode existir um pico transmissão antes do início de sintomas. A observação mais importante foi de que o número médio de transmissões por cada caso ativo (R) se reduziu a menos de 1 logo no final de janeiro, o que provavelmente foi resultado das medidas restritivas introduzidas pelas autoridades chinesas.
Este estudo sublinha a importância das medidas de controlo da população e hábitos pessoais de cada um e demonstra como é possível controlar e reduzir rapidamente a pandemia, ainda que com custos sociais importantes.
6 de abril de 2020
Estudo: "Clinical management of severe acute respiratory infection (SARI) when COVID-19 disease in suspected" March 13, 2020
Comentário: A presença de coagulopatia é considerada um dos principais fatores de mau prognóstico em doentes com COVID-19 e nas últimas semanas o papel da anticoagulação nesta pandemia vem sendo questionado, como por exemplo nas recomendações da Organização Mundial da Saúde para os doentes com COVID-19 e doença grave. Estas guidelines provisórias da International Society of Thrombosis and Haemostasis (ISTH) do final de março podem ajudar-nos a guiar melhor a nossa intervenção neste campo, esperando-se a curto prazo uma nova versão mais robusta.
A presença de d-dimeros elevado é relativamente frequente em casos mais graves de COVID-19. Os autores recomendam que anticoagulação profilática com heparina de baixo peso molecular (HBPM) seja instituída a todos os doentes com COVID-19 internados sem contraindicações. Para além do seu papel no estado protrombótico, a HBPM também poderá ter efeito anti-inflamatórios. A ocorrência de hemorragia em doentes com COVID-19 e HBPM é rara.
Os autores publicaram ainda um algoritmo com o objetivo de ajudar na abordagem e controlo de doentes com alterações na coagulação e COVID-19.
9 de abril de 2020
Estudo: "Prediction models for diagnosis and prognosis of covid-19 infection: systematic review and critical appraisal" Wynants et al, BMJ, April 7, 2020
Comentário: Nesta revisão sistemática publicada no BMJ por Wynants et al, os autores identificaram 27 estudos com descrição de 31 modelos preditivos de COVID-19. Destes, 3 são modelos de risco de internamento por pneumonia (AUC 0,73 a 0,81), 18 são modelos de apoio diagnóstico (AUC 0,81 a > 0,99) e 10 são modelos prognósticos (AUC 0,85 a 0,98).
Todos registaram elevado risco de viés, maioritariamente devido à seleção e sobreajuste da população. A qualidade é muito variável, a calibração raramente realizada e a população do estudo ou o uso pretendido dos modelos não são descritos na maioria. Apenas um estudo foi baseado em doentes fora da China.
Dos modelos identificados, 12 foram apresentados em formato aplicável na prática clínica, contudo, e devido às limitações, a sua aplicação não é recomendada até validação externa adequada.
Apesar das deficiências apontadas, os preditores identificados constituem uma base útil para o desenvolvimento de novos modelos mais rigorosos. Destacam-se no âmbito diagnóstico, a idade, temperatura corporal, sinais e sintomas e resultados de tomografia computorizada (TC). E como preditores de prognóstico, idade, sexo, TC, proteína C reativa (PCR), lactato desidrogenase (LDH) e contagem linfocitária.
10 de abril de 2020
Estudo: “Understanding and Addressing Sources of Anxiety Among Health Care Professionals During the COVID-19 Pandemic”, Shanafelt, T et al. JAMA. 2020
Comentário: Este artigo sob a forma de ponto de vista, avalia as principais preocupações e fontes de ansiedade nos profissionais envolvidos no tratamento de doentes suspeitos ou com COVID-19. São propostas formas de abordar e minimizar estas preocupações.
As fontes de ansiedade são compreendidas em 5 pedidos do profissional à instituição: oiçam, protejam, treinem, apoiem e se necessário tratem os funcionários e as suas famílias.
Salienta-se ainda a importância de uma liderança forte e visível nesta fase, mesmo com as limitações do distanciamento social.
Recomendam-se várias estratégias de abordagem baseadas nestes 5 pedidos, ao qual se adiciona um outro: a importância da demonstração de gratidão pela instituição, não apenas pelo público. Em resumo, a manutenção de uma equipa de profissionais saudável, motivada e confiante é um dos princípios fundamentais da abordagem com sucesso à pandemia. A abordagem da liderança de cada instituição pode fazer toda a diferença.
13 de abril de 2020
Estudo: "Compassionate Use of Remdesivir for Patients with Severe Covid-19" Grein et al, NEJM
Comentário: Foi publicado no NEJM um estudo relativo aos doentes sob uso compassivo de remdesivir por COVID-19. Dos 61 doentes em que o fármaco foi aprovado, 8 foram excluídos da análise. Dos 53 doentes analisados, 40 (75%) completaram os 10 dias de intervenção. O tempo mediano de follow-up foi de 18 dias. Em 36 (68%) houve melhoria do grau de suporte ventilatório vs 8 (15%) que agravaram, 17 dos 30 doentes sob VMI (57%) foram extubados e 3 em 4 suspenderam ECMO. Aos 28 dias a incidência cumulativa de melhoria clínica foi 84% (IC 95% 70 a 99). A melhoria foi menos frequente naqueles sob ventilação invasiva (HR 0,33) ou com idade > 70 anos (HR 0,29 em comparação com < 50 anos).
Várias e importantes limitações existem em relação a este estudo, estando os critérios de aprovação do uso, protocolo do estudo e redação inicial da publicação a cargo da farmacêutica detentora do fármaco. Trata-se de um estudo aberto, sem grupo controlo, sem definição a priori do tamanho e distribuição da amostra, assim como duração da intervenção ou endpoints avaliados. 23% dos doentes tiveram eventos adversos, embora a sua interpretação como verdadeiros efeitos adversos vs complicações da doença difícil sem um grupo controlo. O processo de seleção para uso compassivo não é esclarecido, introduzindo viés importantes. A inclusão de doentes com baixa gravidade, 19 não entubados, 2 em ar ambiente e 10 sob oxigenoterapia de baixo débito pode ser questionada. O número de doentes excluídos por ausência de dados é, de alguma forma, preocupante. O início da terapêutica, em mediana 12 dias após início dos sintomas, é provavelmente tardio em relação ao curso e período de deterioração tipicamente descritos para a COVID-19.
Com estas limitações a valorização dos resultados é limitada. Embora traduzam um sinal positivo em relação ao fármaco, estudos aleatorizados controlados (RCT) impõem-se como essenciais.
14 de abril de 2020
Estudo: "Comorbidity and its impact on 1590 patients with Covid-19 in China: A Nationwide Analysis", Guan et al, ERJ
Comentário: As comorbilidades associaram-se a pior prognóstico neste estudo retrospetivo que incluiu 1590 doentes internados por COVID-19, em 575 hospitais chineses. Com base em dados prévios de gravidade foi definido como endpoint primário composto, a morte ou admissão em UCI ou ventilação não invasiva.
No total 131 (8,2%) atingiram o endpoint, incluindo 77 (19,3%) daqueles com pelo menos uma comorbilidade (vs 4,5% dos indivíduos sem outra patologia). Maior número de comorbilidades associou-se a maior risco, com hazard ratio 1,79 (IC 95% 1,16 a 2,77) nos doentes com pelo menos uma e 2,59 (IC 95% 1,61 a 4,17) naqueles com duas ou mais. Após ajuste para idade e tabagismo, DPOC (HR 2,68, IC 95% 1,42 a 5,05), hipertensão arterial (HR 1,58, IC 95% 1,07 a 2,32) e neoplasia (HR 3,50, IC 95% 1,60 a 7,64) foram significativas.
Algumas limitações devem ser referidas. O registo das comorbilidades foi baseada no auto-relato, com risco de desconhecimento ou não valorização pelo doente. O tempo de follow-up foi curto (dez/19 a jan/20), com alguns doentes ainda internados aquando da publicação. E a extrapolação dos resultados para uma população não-chinesa é limitada devido pelas diferenças na prevalência de comorbilidades noutros países.
Contudo estes dados vêm reforçar o impacto das comorbilidades no prognóstico dos doentes com COVID-19 e a importância da sua avaliação criteriosa na admissão destes doentes.
16 de abril de 2020
Estudo: "The role of chest imaging in patient management during the COVID-19 pandemic: a multinational consensus statement from the Fleischner Society" Rubin GD et al, Radiology, Apr 7 2020
Comentário: A radiografia de tórax e a TC torácica têm sido estudadas e utilizadas na suspeita e diagnóstico de COVID-19, mas observa-se heterogeneidade no seu uso e disponibilidade. A reputada Fleischner Society reuniu um painel composto principalmente por Pneumologistas e Radiologistas com larga experiência em COVID-19 de 10 países diferentes. Criaram um documento de consenso sobre o uso da imagem no diagnóstico e tratamento da COVID-19 em adultos, atendendo a multivariáveis como gravidade das manifestações respiratórias, probabilidade pré-teste da doença, fatores de risco de progressão da doença e restrição de recursos. As recomendações podem referir-se quer à radiografia de tórax, quer à TC.
- Não é recomendado uso de exame de imagem como rastreio de COVID-19 em doentes assintomáticos, nem em doentes com suspeita ou teste positivo com doença ligeira sem fatores de risco para progressão.
- É recomendado uso de exame de imagem em doentes suspeitos ou positivos com doença ligeira e fatores de risco para progressão (idade > 65 anos e comorbilidades) ou com doença moderada a grave, independentemente do resultado do teste. É ainda recomendado em doentes com COVID-19 com agravamento da disfunção respiratória.
- Em situações em que exista indisponibilidade de TC, a radiografia de tórax pode ser preferida em doentes COVID-19 positivos.
- Não é recomendada radiografia de tórax diária a doentes entubados e estáveis.
- A TC deve ser realizada em doentes recuperados de COVID-19 que mantenham comprometimento funcional e/ou hipoxemia.
- É recomendada realização de PCR para COVID-19 em doentes com alterações sugestivas e incidentais em TC torácica.
Trata-se de uma importante orientação do uso de exame de imagem de tórax, tendo em consideração diferentes cenários e recursos, mas que representa a opinião de experts num ambiente extremamente dinâmico, com variação diária do status da pandemia em diferentes regiões com diferente disponibilidade de recursos críticos, devendo as recomendações ser validadas por investigação científica rigorosa.
18 de abril de 2020
Estudo: "Symptom screening at illness onset of health care personnel with SARS-CoV-2 in King County Washington", Chow EJ el al, JAMA, April 17, 2020
Comentário: À medida que a pandemia por COVID-19 se propaga, aumenta significativamente ohb risco de exposição por parte dos profissionais de saúde, tanto em contexto profissional como a nível comunitário. Nos EUA, as orientações de triagem de COVID-19 em profissionais de saúde incluem avaliação de febre e queixas de tosse, dispneia e odinofagia. Neste estudo realizado em King County, foi avaliado o espectro de sintomas no início da COVID-19 em profissionais de saúde. Dos 48 profissionais identificados, 16.7% (8) não apresentavam nenhum dos 4 sinais/sintomas de triagem, sendo os sintomas iniciais mais frequentes arrepios, mialgias, coriza e mal-estar. Dos 8 doentes, 1 nunca teve ao longo do curso da doença nenhum dos 4 sinais/sintomas de triagem, nos restantes 7 o tempo médio entre o início da doença e o início de um dos sinais/sintomas de triagem foi de 2 dias (1-7 dias), sendo também 2 a média de dias de trabalho sob sintomas (1-10 dias). A inclusão de calafrios e mialgias nos critérios de triagem aumentaria em 6.3% a deteção de casos sintomáticos de COVID-19.
Apesar das limitações do estudo, que incluiu uma reduzida amostra, período curto de estudo, variabilidade nos critérios para teste em diferentes serviços de saúde e disponibilidade limitada de testes, demonstra que a expansão dos critérios de triagem poderá permitir uma realização de teste para COVID-19 mais precoce e dessa forma reduzir a exposição de doentes vulneráveis e outros profissionais de saúde a profissionais de saúde infetados.
22 de abril de 2020
Estudo: "Pharmacologic Treatments for Coronavirus Disease 2019 (COVID-19) A Review" Sanders et al, JAMA
Comentário: Foi publicada no JAMA uma revisão compreensiva relativa às opções farmacológicas para tratamento da COVID-19. De uma forma sistematizada e de fácil leitura são revistos os fármacos com indicação em outras patologias: cloroquina ou hidroxicloroquina, lopinavir /ritonavir e outros antirretrovirais, rivabarina e uma miscelânea de outros agentes; e fármacos em investigação: remdesivir e favipiravir.
Apesar de alguns fármacos terem demonstrado atividade in vitro e potencial benefício clínico (em séries e estudos observacionais ou não controlados), não existem evidência inequívoca de melhoria do prognóstico a partir de ensaios aleatorizados controlados (RCT) para nenhum. A paucidade da evidência de benefício, associada ao potencial para toxicidade e eventos adversos é reforçada em relação aos fármacos aprovados para outras patologias. O remdesivir, um fármaco desenvolvido para o ébola, demonstrou atividade in vitro e um potencial para melhorar o prognóstico de doentes graves, justificando-se a avaliação em RCT e uso compassivo.
Não existem também RCT que suportem o uso profilático de nenhum fármaco. Apesar de estarem a decorrer ensaios com hidroxicloroquina, a evidência de benefício deste fármaco, associado ou não a azitromicina, deriva de artigos nos media ou ensaios não aleatorizados de pequena dimensão, e os potenciais eventos adversos são reforçados por vários autores.
São ainda revistas as principais terapêuticas adjuvantes no tratamento da COVID-19. Destacam a ausência de consenso relativamente a corticóides, não recomendados pela OMS exceto se existir outra indicação concomitante, como exacerbação de doença pulmonar crónica ou choque refratário aos vasopressores. O potencial benefício demonstrado com agentes anti-IL6, como tociluzimab, justifica a sua consideração no contexto de ensaio clínico, apesar do risco aumentado de infeções. O tratamento com imunoglobulinas, com melhoria numa série de 5 casos graves de COVID-19, é também referido.
Relativamente às indicações para iniciar tratamento específico versus apenas tratamento de suporte, os autores consideram que este deve ser reservado para doentes com hipoxia ou pneumonia, ficando nos casos menos graves apenas com terapêutica de suporte.
O artigo oferece ainda as referências de várias sociedades científicas/países e links úteis para consulta.
23 de abril de 2020
Estudo: "Can post-exposure prophylaxis for COVID-19 be considered as one of outbreak response strategies in long-term care hospitals?" Hee Lee et al. Int J Antimicrob Agents.
Comentário: Este artigo descreve a utilização de hidroxicloroquina como profilaxia pós-exposição a COVID-19 numa instituição de cuidados de saúde prolongados na Coreia do Sul. Um dos trabalhadores do hospital foi diagnosticado com COVID-19, sete dias após uma provável exposição e já com três dias de sintomas, dois quais enquanto trabalhava. Os responsáveis consideraram que houve exposição em todos os 193 doentes, pois a profissional trabalhava em todos os pisos. Houve ainda um diagnóstico num outro profissional dois dias após o primeiro, que também trabalhou já sintomático.
Apesar de reconhecerem a insuficiente evidência nesta indicação, face ao risco de um surto grave, os responsáveis propuseram o início de profilaxia pós-exposição com hidroxicloroquina 400 mg por dia durante 14 dias a todos os doentes e 29 dos funcionários, a qual foi finalmente instituída em 189 doentes e 22 funcionários. A hidroxicloroquina foi globalmente bem tolerada, sendo necessário suspendê-la em cinco casos por efeitos gastrointestinais, dois por bradicardia e um por necessidade de jejum. Houve dois doentes que faleceram durante a quarentena, ambos por doença de Alzheimer e com teste post-mortem negativo. Todos os 191 doentes e 121 profissionais testados no fim do período de quarentena foram negativos.
Esta análise não inclui um grupo controlo pelo que não se pode concluir da eficácia desta estratégia na prevenção de COVID-19 em doentes expostos, mas sugere que a hidroxicloroquina na dose de 400 mg por dia é bem tolerada e deverá ser testada em ensaios clínicos para esta indicação. Existem numerosos ensaios clínicos de hidroxicloroquina em curso. A demonstração da eficácia em ensaios clínicos de qualidade, controlados e aleatorizados será fundamental na prevenção e tratamento da doença.